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ELIS - O FILME Um arremedo de crítica e/ou de crônica


Jael Soares

Aquém. Palavra que uso para definir Elis - O Filme. Não de maneira pejorativa, e sim porque tudo quedou desse jeito e porque fica inaplicável oferecer uma narração que abrace o horizonte de fortes 36 anos da - considerada por mim e por tantos - maior cantora que o Brasil teve e que o dignifica diante do globo. O legado da Pimentinha (ou Hélice Regina ou Lilica ou Eliscóptero), muitos podem até desconhecer, mas nos acompanha(rá) e deve ser difundido e estudado.
Pois bem. Antes de ir ver, li e ouvi de alguns fãs que é um filme de recortes. E é, todavia, a meu ver, com costura agradável. Vale destacar que talvez eu seja o menos indicado para falar sobre qualquer coisa de Elis, faço parte dos fãs menos puritanos e acredito que toda produção com dignidade vale para as novas gerações saberem a importância da música numa sociedade (Elis ainda vive tal propósito). E o presente cartaz cumpre este papel, notadamente por causa de Andréia Horta e da equipe que a preparou. Ela é Ela. Considerando os óbvios distanciamentos da personagem real para o processo de criação da Elis das telas, ela é Ela. Falta algo a mais? Logicamente! A força da natureza quase indomável estava na original e não surge muito na atriz. Não precisa ser fã para perceber isso, basta ver e (tentar, ao menos) entender o peso do conhecido clipe de "Como nossos pais".
Um dos itens, porém, que me cutucaram foi a linearidade. É uma história com início, meio e fim. Fiz questão de assistir à produção duas vezes para tentar entrar na ideia da direção, realizada por Hugo Prata, e do roteiro, deste com Luiz Bolognesi e Vera Egito... Pudesse eu ver no repeteco durante uma semana até compreender, faria isso, mas há muito espaço no bolso... Então, gostaria de perguntar aos roteiristas o porquê da escolha desse tipo de narração sem ousadia. Suposições: pouco dinheiro e/ou tempo para elaborar e aplicar uma ideia diferente; pensaram talvez que o povão não captaria; ou elegeram essa como a didática apropriada para um Brasil de geração alheia a bastantes fatos... Faria uma garrafa de café para chamá-los para uma prosa. Um dia, quem sabe?
Ainda sobre o roteiro e partindo para uma discussão que ocorre mais com literatura de ficção, digo que é inútil comparar o trabalho com as biografias. Filme é outra linguagem e ponto. Contudo, confesso, foi inevitável e inútil segurar minha mente para não pensar em "Furacão Elis", de Regina Echeverria, mesmo que a meu ver ela tenha tratado Elis única e literalmente como um furacão, não como uma pessoa, e em "Elis Regina - Nada será como antes", de Júlio Maria, que, com texto invejável, tira o oxigênio do cérebro do leitor, além dos sorrisos, iniciando a obra pelo último ato. Modéstia às favas, fosse eu o responsável, produziria o roteiro de maneira impactante me guiando pela segunda opção. Costumo dizer até que, se você é psicólogo(a) e deseja entender a cantora como faz um(a) profissional, esta obra pode servir para o estudo do caso.
Outro incômodo: músicas e efeitos sonoros. Escolheram muito bem, na verdade, e eu realmente não esperava ver a cena de Elis sendo vaiada no Phono 73 (cena esta que vale pela produção inteira, é o ponto alto!) ou uma trilha complementar, distante da obra da Pimentinha, por exemplo; entretanto, a canção que vem nos créditos me causou um breque. O público está sentado, lamentando-se pelo fim (da vida, do filme, ouvindo vocalizações e acompanhamentos muito densos de [spoiler retirado]) e, inadvertidamente, uma explosão entra e corta o barato da melancolia. Porém, quiçá seja esse um modo de representar a gaúcha frase "Diz que não 'tá morto quem peleia, né, tchê? Tô aí. Tu vês, né?", gracejada por Elis no Jogo da Verdade, da TV Cultura.
Falando no programa, há frases ditas em entrevistas dentro e fora do contexto. E não me incomodaram - sentimento que abateu ao ver o espetáculo "Elis - A Musical", apesar deste também ser digno, dadas esta e outras poucas ressalvas, diga-se. Tampouco me incomodou a ausência material de Milton Nascimento, Gilberto Gil, Ivan Lins, Nathan Marques, Tom Jobim, João Bosco, Chico Buarque, Guilherme Arantes, Clara Nunes, Rita Lee... Mas faltaram a presença de dona Ercy, mãe da gauchinha (foi horrível isso), e a aparição antes anunciada de Marisa Orth vivendo Myriam Muniz, diretora do icônico "Falso brilhante", o primeiro dos grandes espetáculos de Elis (cuja relevância não foi enfatizada) e pai do histórico disco de mesmo nome. Também não há sequer a visita sonora de Renato Teixeira ou uma pincelada sobre trabalhos louváveis de Elis como a luta pelos direitos dos músicos e cantores, a inscrição da voz como instrumento, o Circuito Universitário, o show no Montreux Jazz Festival, na Suíça (onde se apresentou dois dias e chegou a ser aplaudido por aproximadamente 11 (ONZE) minutos), etc...
Mais um incômodo (o maior): apesar de estar com costura agradável, como disse, o roteiro recaiu na invencionice comumente utilizada por aí. Repito igualmente que é inaplicável fazer algo que abrace um mundo igual ao de Elis, mas é necessário recomendar aos espectadores: fatos como a aproximação com César Camargo Mariano, o encontro com Henfil e ao menos uma ligação antes da morte não transcorreram das maneiras encenadas. Por fim, o literalmente último incômodo: a falta de profundidade no fim.
Nunca é o bastante, vocês veem. Nós fãs temos um jeito feio de querer que um livro, um filme, uma minissérie ou um show de certa forma traga de volta à vida as nossas estrelas. É isso o que queremos. E vêm sempre pontadas de frustração. Talvez seja a saudade daquele Brasil - não o dos ditadores, e sim do da equilibrista que sabe que o show de todo artista tem que continuar, justamente por causa da saudade. É uma espiral. Mas, não, não precisamos de outra Elis Regina Carvalho Costa e não haverá outra menina, mulher, senhora, mãe, furacão, ingênua, insegura, temperamental, encrenqueira, intérprete, atriz, cidadã e instrumento musical sem par. Angustia-me ter de ser saudosista. Principalmente de quem nunca vivi...
Fala-nos o texto de Fernando Faro que Elis recitou no último grande espetáculo, "Trem azul", dirigido por ele: "Agora, retiram de mim a cobertura de carne, escorrem todo o sangue, afinam os ossos em fios luminosos e, aí, estou, pelo salão, pelas casas, pelas cidades, parecida comigo. Um rascunho. Uma forma nebulosa, feita de luz e sombra. Como uma estrela. Agora eu sou uma estrela!”
Reforço novamente: o filme é digno. E dá gás e vida a quem enxerga(r) essa estrela, ainda que lance mão de uma e outra linha de fantasia ou que deslize. Os nossos contemporâneos tempos sombrios (quem diria?) precisam novamente da música e do poder social dela. Tudo está aquém e propício para tanto.
Quem grita vive contigo.


Quem é Jael Soares?

27 anos, negrense de geração e criação, aguasbelense de nascimento e ainda itaibense porque Negras é distrito de lá. Cresceu em escola pública, graduou-se com láurea em Comunicação Social - Jornalismo, é especialista em Gestão da Comunicação e Eventos, estuda Inglês, melhora a respiração e a postura com yoga e aspira a aprender mais da gramática do português brasileiro. Também canta (como pode), faz poemas e músicas (se inspirado), ama biografias (comprá-las também), redige crônicas (quando encharcado de realidade), aventura-se a escrever contos (a vida às vezes é muito real), desenha (na mesa e na parede de casa), não cultua divindades (e vive bem), possui o devaneio de um dia melhorar o senso crítico no jornalismo (há pitaqueiro demais solto por aí) e - após passar por produção de TV, edição e reportagem em portal de notícias, assessoria e vários frilas - atualmente trabalha com mídias sociais (ainda que tenha um pé no analógico). Sim, "benze" colegas que: não distinguem sítio, povoado, distrito, cidade e município (dizer "prefeito/vereador da cidade" é prejudicial à amizade); não colocam ponto de interrogação depois de "né"; usam o pronome pessoal "sua" para todas as pessoas; definem cultura como sinônimo de arte ou algo erudito. Ah, e fala demais. Ou não. Talvez um pouco de cada... Precisa de café.

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