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Carminha e a seca no Nordeste


Heitor Scalambrini Costa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco

 

 

É reconhecido não só no país a qualidade das telenovelas brasileiras que tem grande aceitação em várias partes do mundo como produto de entretenimento. 

A novela “Avenida Brasil”, que teve em seus últimos capítulos recorde de público (em torno de 80 milhões de pessoas), foi recentemente a grande sensação nacional. Estima-se que de cada 3 televisores ligados, 2 estavam sintonizados na novela. Nos dias que antecederam o término do folhetim o assunto da grande mídia foi à abordagem diária com relação ao destino dos personagens. O horário de exibição das 21 às 22 horas, era sagrado, e tudo parou no país. O mais importante era saber quem matou Max? O que acontecerá com Carminha? E Tufão?  Obviamente este interesse maciço da população trouxe enormes benefícios financeiros para a rede de televisão que transmitiu a novela. Fala-se que ao longo dos meses de apresentação dos capítulos (março a outubro), mais de 1 bilhão de reais foram arrecadados com os anúncios feitos no horário nobre.

Mas o que tem haver este interesse midiatico pela telenovela com a seca no nordeste brasileiro que é noticiada desde os tempos do Império, e que traz tantas desgraças aos brasileiros e brasileiras da região?

A atual seca que atinge pouco mais de 15% do território brasileiro não é comum, é a pior no Nordeste das últimas três décadas. De acordo com especialistas, é mais intensa e acontece de 30 em 30 anos, em média. Assim como a seca deste ano, outras também marcaram a história do povo nordestino. As mais famosas foram as de 1983/84, 1935 e 1887, que provocaram a morte de quase 500 mil nordestinos. Segundo números do Ministério da Integração Nacional, 525 municípios da região estão em situação de emergência, e outros 221 sofrem efeitos da estiagem e aguardam avaliação da Secretaria Nacional de Defesa Civil.

Todavia a seca se repete ano a ano e tem causa natural. Daí não se pode combatê-la e sim conviver com ela. A carência de chuvas é típica de regiões semi-áridas, e tem se intensificado pelos danos ambientais e a total desproteção do rio São Francisco e de sua nascente, além do descontrole no uso da água na irrigação. São outras partes dessa equação desastrosa que traz tanto sofrimento e morte para as populações mais pobres.

A indústria da seca e o coronelismo ainda resistem à custa de tantas vidas perdidas. Sob novos nomes e novos programas, o que vemos é a continuação de um processo histórico com a perpetuação do sofrimento  e da miséria a favor do lucro de alguns. 

Em particular, neste contexto, vejamos o caso de Pernambuco. O Estado que tem se destacado pelos elevados índices de crescimento econômico, e pela propaganda exacerbada mostrando uma administração estadual moderna, com uma gestão eficiente e diferenciada de seus governantes; esconde a incompetência e a falta de interesse e compromisso político para dar inicio ao fim do flagelo que atinge hoje 121 municípios (dos 185 existentes) que estão em situação de emergência. Segundo a assessoria de Comunicação Social da Casa Militar, existem 1.184.824 pernambucanos e pernambucanas (população total próxima a 8 milhões) afetadas pela estiagem. Dos 121 municípios atingidos, 59 são do Agreste, 56 do Sertão e 6 da Zona da Mata.

As medidas tomadas pelo governo federal são as mesmas de outros anos, liberação de recursos (anunciou da liberação de 2,7 bilhões de reais pelo Ministério de Integração Nacional, que nunca chega no destino final), distribuição de cestas básicas, carros pipas, etc, etc,... Quanto ao governo estadual foram anunciadas medidas paliativas, populistas, verdadeiras “esmolas” comparados aos investimentos públicos e privados de mais de 50 bilhões de reais que estão sendo investidos no Complexo de Suape. Infelizmente estes anúncios oficiais são insuficientes, pois faltam medidas de caráter definitivo. São “oportunistas” e contam com o apoio de lideranças de agricultores e representantes de organizações da sociedade civil cooptados, que se calam frente à tragédia recorrente, tornando verdadeiros cúmplices do massacre destas populações invisíveis aos olhos da sociedade.

Mas o que tem haver a telenovela com a seca? Bem, ao meu ver é a mobilização social em torno de um tema que diz respeito à vida real das pessoas é que poderá apontar na direção da solução deste problema secular. Na telenovela como visto na semana passada, houve uma incrível mobilização das pessoas, se reunindo em família, entre amigos, em bares, restaurantes para assistirem pela “telinha”, o destino dos personagens do drama fictício. Mas porque não mobilizar para acabar em definitivo com este drama da vida real? Não somente doando alimentos, e roupas, que muitas vezes não chegam aos que necessitam, mas pressionando diretamente os governantes, os políticos. Discutindo, estimulando o debate sobre o drama da seca, nas rádios, televisões, blogs, jornais, nas entidades de classe, pelos artistas, jogadores de futebol, pelo povo. Uma certeza que existe é que para acabar definitivamente com o flagelo da seca só depende da mobilização popular.
 
 

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